Editor de Ciência do Financial Times há duas décadas, o jornalista
britânico Clive Cookson acredita que os temas científicos têm se tornado mais
familiares e mais valorizados para o público, graças a uma cobertura
jornalística que se revela pouco a pouco mais profunda e mais precisa que no
passado.
Essa transformação, de acordo com Cookson, deve-se em parte às novas
tecnologias que facilitaram o trabalho do jornalista nos últimos anos. Mas,
segundo ele, a principal razão para que o noticiário de ciência ganhasse mais
qualidade está em uma mudança de atitude dos próprios cientistas, que perceberam
a importância da comunicação.
Cookson, que atua há mais de 30 anos na cobertura dos temas de ciência e
tecnologia, em diversos países e diferentes veículos e contextos, participou
nesta segunda-feira (16/4) do seminário “Ciência na Mídia”, promovido pela
FAPESP na sede da Fundação, em São Paulo.
O evento teve o objetivo de estimular a reflexão, por parte de todos os
envolvidos na produção e divulgação científicas, sobre as maneiras de propiciar
um espaço para a troca de conhecimentos e a proposição de novos modos de pensar
a divulgação desses temas na sociedade. Em entrevista exclusiva à Agência
FAPESP, Cookson comentou esses temas.
Agência FAPESP –
Como tem evoluído a cobertura jornalística sobre ciência, considerando os seus
30 anos de experiência na área?
Clive Cookson– Apesar de
existirem muitos blogs e sites de ciência, as pessoas continuam obtendo a maior
parte de suas informações sobre o que está acontecendo no mundo científico por
meio da mídia tradicional: jornais impressos, revistas, TV e rádio. Assim, o
cientista se comunica com o público por meio desses veículos não especializados
em ciência. Essa não é uma relação trivial. Mas sou muito otimista, porque,
olhando com essa perspectiva de 30 anos, percebo que os cientistas estão se
tornando muito melhores na tarefa de se comunicar com a mídia.
Agência FAPESP – O que mudou nessa relação, da perspectiva dos
cientistas?
Clive Cookson– Eles estão se tornando muito mais
proativos, mais abertos. Perderam o medo do contato com os repórteres. É uma
mudança muito grande se você olha em uma perspectiva de longo tempo. E acredito
que se trata de algo até certo ponto generalizado. Aqui no Brasil percebi que os
cientistas são muito abertos.
Agência FAPESP – Qual pode ter sido a razão para essa
transformação?
Clive Cookson– Os cientistas perceberam –
certamente nos Estados Unidos e Europa, mas acho que no Brasil também – que é
mais provável conseguir investimentos públicos e auxílios para fazer suas
pesquisas na medida em que eles se tornam bons comunicadores. Na Grã-Bretanha os
conselhos de pesquisa incluem explicitamente a comunicação dos resultados
científicos como um dos critérios importantes para conseguir investimentos. De
modo geral, podemos dizer que você tem mais facilidade para conseguir o
investimento se você estiver preparado para comunicar. Isso é verdade para os
pesquisadores, de forma individual, mas também em uma perspectiva mais geral: os
pesquisadores sabem que a ciência como um todo terá mais apoio público se os
cientistas gastarem um pouco de tempo e esforço para falar com jornalistas.
Agência FAPESP – Além dessas mudanças do lado da comunidade
científica, houve também evolução do lado da produção da notícia? A qualidade do
jornalismo melhorou?
Clive Cookson– Houve melhora, mas nada que
justificasse um aumento muito grande da confiança dos pesquisadores nos
jornalistas. A qualidade do jornalismo melhorou, mas não acho que isso tenha
acontecido porque os jornalistas se tornaram melhores. O que ocorreu é que ficou
muito mais fácil escrever uma matéria sobre ciência, agora que podemos ter
acesso a artigos científicos na internet, podemos obter comentários por e-mail e
coisas assim. Quando eu comecei no ofício, se quiséssemos ter acesso a um artigo
era preciso ir às bibliotecas e para um simples comentários era preciso ter
muita sorte e localizar os pesquisadores por telefone na hora certa.
Agência FAPESP – No Brasil os jornalistas de ciência, com
frequência, têm formação em jornalismo, mas não uma formação científica. Qual é
a característica dos divulgadores na Inglaterra?
Clive Cookson–
Na Inglaterra há uma mistura. A maior parte dos jornalistas de ciência tem uma
formação em ciência. Eu, por exemplo, sou formado em química. Mas há outros
ótimos jornalistas de ciência que têm seu background em artes ou humanidades e
depois começaram a trabalhar com ciência e foram excepcionalmente atraídos pela
área. Acho que há prós e contras em ambos os casos.
Agência FAPESP – Em uma situação hipotética: se o senhor tivesse
que contratar um repórter, iria preferir um indivíduo com uma formação
científica, que escreve bem, mas não tem nenhuma experiência prévia em
jornalismo, ou alguém que é um jornalista capaz e talentoso, mas sem qualquer
envolvimento com ciência, nem experiência em jornalismo científico?
Clive Cookson– Se eu estivesse contatando essa pessoa para um
trabalho de reportagem de ciências em um jornal, por exemplo, não hesitaria:
escolheria o jornalista que tem experiência em reportagem, em vez de escolher o
cientista. Acho que a capacidade para ser um bom jornalista é de fato o mais
importante. Não adianta ser um bom cientista que escreve corretamente. Porque a
ciência realmente requer um texto diferente, vívido. Prefiro um excelente
jornalista que um excelente cientista para fazer isso.
Agência FAPESP – A percepção do público em relação à importância da
ciência também tem mudado?
Clive Cookson– Minha impressão é que o
conhecimento sobre ciência em meio ao público geral melhorou sim. Ainda não é o
suficiente, mas acho que, em geral, a população ficou mais alfabetizada em
ciência que há alguns anos atrás. Muita gente passou a entender melhor as bases
da ciência. As pessoas têm mais intimidade com temas e termos centrais no mundo
científico. Até certo ponto a internet contribuiu com isso, mas não sei se há
grande potencial para melhorar muito mais, porque na rede também temos muito
ruído e desinformação.
Agência FAPESP – Os jornalistas procuram fazer a ciência mais
atraente para o público. Ao mesmo tempo, tendem a mostrar exclusivamente os
resultados de sucesso, deixando em segundo plano o processo de produção da
ciência. Com isso não se corre o risco de mistificar a ciência junto ao público?
Clive Cookson– Tem toda razão, esse é um problema absolutamente
fundamental na relação entre jornalismo e ciência. No noticiário não há tempo
nem espaço para descrever todos os passos da produção da ciência, mostrando ao
público que não se trata de mágica, mas de um processo difícil, pontuado de
dificuldades e fracassos momentâneos. O que deixa essa situação pior é que mesmo
que você privilegie as pesquisas de qualidade, publicadas em revistas de
prestígio, os artigos científicos também não lhe darão pistas sobre o processo
de como a ciência funciona. Você só conseguiria dar ao público uma educação
científica se fosse possível acompanhar o trabalho por meses a fio no
laboratório. Geralmente isso é impossível.
Agência FAPESP – Além disso os insucessos raramente são publicados,
não é?
Clive Cookson– Sim, essa é outra questão. A publicação, em
particular na área de saúde, normalmente descreve apenas os resultados
positivos. Os resultados negativos quase nunca têm espaço em publicações. É
preciso estar atento a isso para não dar uma falsa impressão de que a ciência é
feita só de acertos.
Agência FAPESP – Quando se noticia os resultados de um novo estudo,
pode ser difícil repercutir a notícia com outros cientistas, porque muitas vezes
eles alegam que ainda não tiveram contato com o artigo. Como o senhor lida com
essa situação?
Clive Cookson– É uma situação extremamente
difícil. Em primeiro lugar porque os cientistas normalmente não indicam seus
competidores que trabalham na mesma área e que poderiam contribuir com um
comentário. Além disso, geralmente é difícil conseguir um comentário sobre um
artigo que acaba de sair e que não foi lido por quase ninguém. Na Inglaterra
temos uma organização é muito útil, nesse sentido, para os jornalistas da área
de saúde: o Science Media Centre.
Agência FAPESP – Como funciona?
Clive Cookson– É um
serviço que foi criado há exatos 10 anos e reúne cientistas que atuam como se
fosse assessores de imprensa. Eles pegam qualquer estudo e avaliam se é
controverso, ou interessante o suficiente para render uma manchete. Então usamos
seus contatos, que fazem comentários com grande qualidade. Acho que o SMC fez
mais que qualquer outra instituição para melhorar a cobertura jornalística de
ciência na Inglaterra. Eles têm excelentes bases de dados e uma incrível lista
de contatos especializados. É muito eficiente.
Agência FAPESP – Muita gente vê os repórteres de ciência como
tradutores de uma linguagem especializada para a linguagem do senso comum. O que
o senhor acha dessa noção?
Clive Cookson– Parte do que fazemos
pode ser visto como uma espécie de tradução, mas espero que nosso trabalho seja
algo mais criativo e complexo que isso. Acho que os jornalistas são capazes de
colocar novas maneiras de se olhar para a ciência que os próprios cientistas não
poderiam proporcionar. É algo mais que simplesmente traduzir. Podemos gerar
imagens, comparações, que os cientistas não conceberiam. Não se trata apenas de
questão de simplificar uma linguagem, mas de fornecer uma interpretação nova de
ideias, contextos e visões. E, mesmo no campo da linguagem, acho que esse
trabalho extrapola a simples tradução: devemos ser autores capazes de tornar o
conhecimento mais vívido, mais interessante para o público.
Agência FAPESP – Como foi sua trajetória? Por que se interessou por
ciência?
Clive Cookson– Sempre me interessei por ciência e me
formei em Química em Oxford. Mas dois fatos mudaram minha trajetória. Um deles é
que notei que o jornalismo científico na Inglaterra não era bom. Ao mesmo tempo,
percebi que eu não seria brilhante o suficiente para fazer um bom doutorado em
química. Eu sabia que se não fosse tão brilhante, um doutorado em química
poderia se transformar em algo não muito criativo, uma espécie de trabalho
braçal para um orientador. Eu sabia que não era na verdade bom o suficiente para
me tornar um grande cientista. Mas percebi que poderia escrever bem sobre
ciência.
Agência FAPESP – E como começou de fato a atuar como
jornalista?
Clive Cookson– Fui aceito em um programa de
treinamento de um jornal local, em Londres. Depois de dois anos, tive a
oportunidade de ir para Washington, nos Estados Unidos, por quatro anos, para
trabalhar no suplemento de Educação Superior do Times. Foi uma experiência
fantástica, eu escrevia sobre as universidades e institutos de pesquisa
norte-americanos. Depois voltei para Londres para me tornar repórter de
tecnologia do Times. Comecei, na década de 1980, a trabalhar na rádio BBC, como
correspondente da área da saúde. E de lá fui para o Financial Times, onde
tenho atuado como editor de ciência nos últimos 20 anos.
Fonte de Informação - Agência FAPESP
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